Deputados dos EUA expõem medidas arbitrárias de Alexandre de Moraes removendo contas da rede social X

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O material divulgado pela Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aponta que grande parte das decisões de Moraes não estavam acompanhadas de fundamentação que as justificassem

A ala republicana da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes dos EUA divulgou na quarta-feira, 17, um relatório sobre a suposta “censura do governo brasileiro” ao X (antigo Twitter) e a outras redes sociais, como Facebook e Instagram. O documento inclui 88 decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinando a retirada de perfis das plataformas. Muitas delas foram tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes em processos que tramitam sob sigilo no STF. A reportagem do Estadão procurou o STF para comentários, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto, perto do fim do período da noite da quarta-feira, 17 de abril.

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Segundo um comunicado de imprensa divulgado pelo grupo, o relatório inclui “cópias de 28 decisões em inglês e português exaradas pelo ministro Alexandre de Moraes e destinadas à X Corp”; outras 23 decisões de Moraes “para as quais a X Corp não possui uma tradução em inglês” e ainda 37 decisões do TSE. Alexandre de Moraes é o presidente do TSE desde agosto de 2022.

Ainda conforme os representantes republicanos, o “governo brasileiro” estaria “tentando forçar o X e outras empresas de redes sociais a censurar mais de 300 contas, incluindo as de Jair Messias Bolsonaro, a do senador Marcos do Val (Podemos-ES), e Paulo Figueiredo, jornalista brasileiro”. No entanto, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) continua com seus perfis ativos nas principais redes sociais.
Alguns dos perfis derrubados por ordem de Alexandre de Moraes já são conhecidos. É o caso de perfis ligados ao empresário Luciano Hang, das Lojas Havan; dos blogueiros Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio; do ex-deputado federal cassado Daniel Silveira; e do youtuber Monark; além do ex-deputado federal Roberto Jefferson.


Decisões polêmicas de Moraes atingem perfis desconhecidos nas redes sociais

Outros, como os jornalistas Bernardo Kuster (foto acima) e Paulo Figueiredo, foram acusados de incentivar os apoiadores de Jair Bolsonaro a “romperem a normalidade democrática”. No dia 8 de janeiro de 2023, centenas de bolsonaristas depredaram as sedes do Congresso, do STF e o Palácio do Planalto, em Brasília.
Vários dos perfis derrubados pelas decisões de Alexandre de Moraes não parecem pertencer a figuras públicas. Numa das decisões, do dia 14 de dezembro de 2023, Moraes determina a remoção dos perfis @NsmNews e @canedocando no Twitter.
A decisão foi tomada no âmbito da Petição 9935, que tramita em sigilo no STF. “Senhor diretor, informo que uma decisão foi tomada no âmbito do processo confidencial acima, para cumprimento imediato, nos seguintes termos”, diz um trecho.

“Tendo em conta a natureza confidencial destes processos, devem ser tomadas as medidas necessárias para mantê-los (em sigilo). Sem mais delongas, aproveito a oportunidade para renovar minhas expressões de elevada estima e consideração”, diz o trecho final das decisões.
As decisões de Alexandre de Moraes pela desativação das contas foram tomadas ao longo dos últimos quatro anos no âmbito das investigações sobre milícias digitais e no chamado inquérito das fake news, que investiga ações orquestradas nas redes para disseminar informações falsas e discurso de ódio, visando minar as instituições e a democracia.

Musk prometeu vazar decisões

A divulgação das decisões judiciais determinando a remoção dos conteúdos por parte dos congressistas dos EUA ocorre após o dono da X Corp, o multibilionário Elon Musk, prometer divulgar ordens de Alexandre de Moraes contra perfis em sua rede social. “Em breve, o X publicará tudo o que é exigido por Alexandre de Moraes e como essas solicitações violam a legislação brasileira”, disse o bilionário no começo deste mês.
No último dia 6, Musk utilizou o X para acusar Moraes de infringir a Constituição brasileira e promover a censura em decisões judiciais. No dia seguinte, o bilionário disse que Moraes deveria renunciar à sua cadeira na Corte ou sofrer um impeachment.
Em resposta, o ministro incluiu o empresário como investigado no inquérito das milícias digitais por “dolosa instrumentalização” do X.
O bilionário reagiu, chamando Moraes de “ditador” e afirmando que ele teria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “na coleira”.
Na segunda-feira, 15, Musk voltou a atacar o magistrado, afirmando que ele exige que a sua rede social viole as leis brasileiras. Em uma nota, o X alegou ter sido forçado, por decisões judiciais, a bloquear determinadas contas populares e que não sabe os motivos pelos quais as ordens de bloqueio foram emitidas.

Elon Musk se manifesta sobre documentos liberados por Comitê da Câmara dos EUA

O empresário e dono do Twitter/X, Elon Musk, se pronunciou sobre os documentos divulgados pelo Comitê da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, divulgado na noite da quarta-feira 17. A publicação de Musk foi feita em seu perfil do Twitter/X na manhã de quinta-feira, 18.
“A lei quebrou a lei”, disse. Ele respondeu a um tuíte que mostrou alguns dos trechos do documento que expõe a censura imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a perfis de civis brasileiros.
O relatório de 541 páginas foi disponibilizado pelo perfil oficial do Comitê Judiciário da Câmara dos EUA. Ao longo do arquivo, os parlamentares norte-americanos mostram como a escalada da censura avançou no país desde 2019, quando o ministro Dias Toffoli emitiu uma ordem que concedeu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a autoridade para abrir investigações. Tal medida contraria a Constituição, segundo juristas.

ANÁLISE JURÍDICA INICIAL DOS ARQUIVOS DO CONGRESSO AMERICANO

Depois de ler o relatório do
@JudiciaryGOP
sobre os ataques à liberdade de expressão no Brasil, uma análise jurídica inicial revela um padrão apavorante nas decisões do ministro Alexandre de Moraes:

  • Em várias decisões, Moraes parece ter decidido depois de provocação da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE (AEED/TSE), órgão obscuro criado em 2019 para “combater a desinformação”;
  • Na prática, esse órgão aparentemente monitorou a internet e as redes sociais para identificar qualquer postagem crítica ao TSE, aos seus ministros e ao processo eleitoral, peticionando diretamente ao ministro na sequência, ao que Moraes expedia decisões de ofício;

-Nesses casos, parece ter havido uma atuação indevida do órgão, como se ele estivesse substituindo a Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão legitimado a peticionar perante o STF em matéria penal. Não está claro qual é a legitimidade legal da AEED/TSE para peticionar perante o STF, e não me recordo de nenhuma lei que dê poder postulatório (de pedir em juízo) a esse órgão;

  • Pelo menos no caso Monark, Moraes decidiu de ofício no Inquérito nº 4.923/DF, em trâmite no Supremo, depois de provocação da AEED/TSE. Que legitimidade tem a AEED/TSE para peticionar em um inquérito criminal no Supremo? Ela não foi criada para combater desinformação apenas no processo eleitoral?
  • Qual é exatamente o regramento legal que autorizou a criação desse órgão? Quais são os critérios utilizados na busca e identificação de contas e postagens? Quem são os servidores públicos responsáveis por essa atividade? Qual o órgão de controle que fiscaliza o que eles fazem? Nada disso está imediatamente claro, trazendo uma sensação gigantesca de falta de transparência e de violação do princípio da legalidade estrita, segundo o qual o Estado só pode agir de acordo com o que a lei autoriza;
  • Em alguns casos, foram revelados apenas os ofícios com a ordem de derrubada das contas, sem as respectivas decisões judiciais fundamentadas. É preciso saber: Moraes enviava apenas o ofício ao X ou também a decisão na íntegra? O X não era parte dos processos, mas como terceiro interessado, tinha direito a recorrer caso acreditasse que as ordens eram ilegais;
  • Os próprios ofícios com ordens de derrubada total de contas em diversas redes sociais parecem ter uma ilegalidade flagrante: o Marco Civil da Internet, em seu art. 19, prevê que as decisões judiciais só podem derrubar o conteúdo considerado ilegal, não havendo previsão para derrubada da conta inteira, o que obviamente viola o direito fundamental à liberdade de expressão e caracteriza censura, o que está, inclusive, claramente expresso na redação do artigo:

“Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”

  • Os ofícios também parecem conter apenas os links dos perfis das contas, corroborando que as ordens eram para derrubar a conta inteira, o que consta inclusive no texto dos ofícios: “DETERMINO a expedição de ofício às empresas DISCORD, META INC., RUMBLE, TELEGRAM E TWITTER, para que, no prazo de 2 (duas) horas, procedam ao bloqueio dos canais/perfis/contas abaixo discriminadas, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00”;
  • Isso também viola o §1º do art. 19 do Marco Civil da Internet, que prevê que “A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material”.

As revelações dos arquivos do Congresso americano são gravíssimas. Jogam luz do sol em ANOS de decisões sistematicamente abusivas contra cidadãos brasileiros, nossos conterrâneos, que sofreram um grave regime de censura prévia e violação aberta e declarada de direitos fundamentais em nome da “defesa da democracia”, mas de uma democracia que serviu apenas a um lado, enquanto demonizou, perseguiu e esmagou outro. Diante de tudo isso, o nosso Congresso Nacional, em especial os nossos senadores, vão continuar calados, submissos e servis, abaixando a cabeça contra quem têm o dever de fiscalizar e de controlar no exercício do poder?

Ou veremos amanhã uma escalada ainda maior dos abusos, ilegalidades e ordens autoritárias, com uma nova decisão mandando inserir o Congresso americano no inquérito dos atos antidemocráticos e das fake news? Ouviremos amanhã na imprensa amiga que o Congresso americano faz parte de um conluio com Elon Musk e a extrema-direita mundial, todos parte de uma organização criminosa de desinformação? (Deltan Dellagnol)


Estes são os documentos analisados pelos parlamentares norte-americanos. Clique sobre a imagem abaixo para acessar:


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